quarta-feira, 7 de julho de 2010

Eu e o meu avô no sertão - Sá de Freitas


Eu e o meu avô no sertão
Sá de Freitas



Meu avô, pequeno eu era, mas me lembro, possuía vasta cultura, pois um ano faltava para ordenar-se Padre e abandonou


tudo para emprenhar-se pelo sertão, a fim de cuidar da grande Gleba de terra que herdara, com a morte dos pais. Com ele passei um bom tempo da infância, época em que aprendi bastante sobre o sertão bruto, o que me fez um homem, até certo ponto, rústico. Devo a ele o amor pela Natureza que até hoje cultivo lidando com o meu pedacinho de terra e, além disso, muitas lições importantes deu-me ele, as quais sempre me ajudaram nas lutas pelo mundo.

Certo dia caminhávamos por um trilha feita pelos próprios animais selvagens, principalmente pelos caititus e queixadas que vagavam em bandos por aqueles lados. Para quem não sabe, caititus e queixadas são espécies de porcos selvagens, sendo que as queixadas impõem mais temor por serem extremamente agressivas e levam esse nome porque, quando zangadas, batem fortemente suas mandíbulas, provocando ruídos que podem ser ouvidos a certa distância.

Subitamente meu avô parou, colocou-me no galho baixo de uma grande árvore ordenando-me que subisse e em seguida fez o mesmo, colocando-me em seu colo num gesto protetor.

Curioso como sempre, perguntei-lhe:

---- Que é isso, vô?

---- São queixadas. Animais perigosos. Fique em silêncio.-- Pediu-me a sussurrar.

Em pouco tempo passava aquele bando assustador a destruir grande parte da vegetação, às margens do trilho. Meu coração provavelmente acelerou bastante, pois me recordo de ter me agarrado ao galho em minha frente com todas as forças. Esses animais, como os porcos, não levantam a cabeça e por isso não nos viram embora devam ter sentido o nosso cheiro. Por quanto tempo ali ficamos não sei, mas passado o perigo, descemos. Olhei para a trilha pela qual iríamos continuar e exclamei:

---- Nossa vô! Limparam o caminho para nós e deixaram ele mais largo.

Olhando-me fixamente com os seus olhos verdes, começou a filosofar, como sempre fazia, em linguagem acessível ao meu entendimento:

---- Escute bem, meu neto. Vamos fazer de conta que a nossa vida seja essa selva: Às vezes estamos caminhando por ela despreocupadamente e, de repente, surge algo que não esperávamos, como, por exemplo, um acontecimento desagradável, uma doença em nós ou na família, uma desavença qualquer, uma tristeza por alguém que morreu ou por um amigo que nos abandonou, quando não é um perigo parecido com esse pelo qual passamos. Por isso, precisamos estar sempre atentos.

--- O que quer dizer “atentos?” – interrompi-o.

--- Quer dizer que precisamos ser cuidadosos ou muito atenciosos. Mas agora, deixe-me continuar.—Pediu-me um tanto sisudo.-- Quando aparecer qualquer coisa dessas em sua vida, não perca a calma. Procure a árvore da fé e suba o mais alto que puder nela, para chegar mais perto de Deus. Deixe as queixadas, que são os maus momentos, passarem sem chamar a atenção delas com lamentos, gritos de revolta ou xingos. Tudo o que é mal pode ser repelido ou atraído. Depende da nossa crença em Deus e em nós mesmos, da nossa paciência, da nossa sabedoria para fugirmos da descrença. Ás vezes o mal pode nos atingir sim, mas não nos devorará. Caso tivéssemos caído da árvore, seríamos vencidos e estraçalhados pelas queixadas. Entendeu?

---- Entendi.—Confirmei já caminhando ao seu lado.

É evidente que não entendi, como passei a entender depois, a essência de suas palavras.

---- Pois é. – Continuou ele. – Você viu que depois que os animais passaram a nossa trilha ficou mais limpa e mais larga para caminharmos. Não é verdade?

--- Sim senhor.

--- Mas... Para aonde estamos indo? – Inquiriu-me de repente.

--- Vamos para a casa do Tio Antonio.

--- Então. Saímos de casa para irmos para lá e lá é o nosso objetivo, quero dizer, o que queremos fazer. Não é?

--- Sim senhor.

--- Do mesmo jeito você terá em sua vida muitos objetivos para atingir e, para isso, você precisa fazer o mesmo que foi feito aqui, porque muitas queixadas irão barrar o seu caminho. Quando isso acontecer, suba na árvore da fé, como já lhe disse, agarre-se em Deus, como você fez naquele galho, deixa tudo passar e encontrará o caminho melhor , para seguir adiante.

--- Essa árvore da fé é grandona, vô?

Olhou-me sério, mas não conseguiu conter a gargalhada.

--- Vou explicar para você o que é a árvore da fé -- Coçou o bigode e prosseguiu-:

Você confia em mim?

--- Confio.

--- Essa confiança chama-se fé, mas nós estamos falando da fé em Deus e quanto mais forte for a nossa fé, mais alto conseguiremos subir na árvore dessa confiança em direção ao Poder Maior e agarrarmos em seus galhos com firmeza para não cairmos. Sei que você agora não está entendendo muito do que estou lhe falando. Mas um dia entenderá. Deixe as Queixadas da vida passarem, volte à estrada e prossiga, sempre confiante.

Continuamos tagarelando até à casa do meu tio. Fui brincar com os meus primos e deixei pai e filho com os seus assuntos de adultos.

Desde então tenho feito isso e as queixadas que cruzam o meu caminho não conseguem me devorar e nunca hão de conseguir vencer-me.




Samuel Freitas de Oliveira

Avaré-SP-Brasil




Um comentário:

  1. QUE AGRADÁVEL SURPRESA,
    VERÔNIKA VOCÊ ME SURPREENDEU , ESTOU PASMO E ENEBRIADO COM ESTA TUA PÁGINA , VOCÊ CONSEGUIU COM ESTAS MARAVILHOSAS POESIAS E MÚSICAS TOCAR OS MEUS SENTIMENTOS..... PARABÉNS !!!

    ResponderExcluir