segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Cartão

Querida amiga - By Sá de Freitas

O menino e o velho -Sá de Freitas



O MENINO E O VELHO 



 

    O sol começava a bocejar no Horizonte e um senhor, bastante idoso, locomovia-se com dificuldade entre a multidão que vinha do trabalho. Ninguém lhe notava a presença devido a pressa de cada um para chegar em seu lar, tomar banho, jantar e voltar, a fim de fazer suas compras para o Natal. Sentindo que poderia ser atropelado por tanta gente, apoiou-se em sua bengala e sentou-se, com dificuldade, no meio-fio, olhando os carros passarem.
    Sua mente, embora cansada, começou a retroceder-se no tempo. Lembrou-se de quando tinha um lar bastante confortável, a esposa que seguiu viagem à Eternidade e os dois filhos gêmeos, pelos quais lutou bravamente a fim de que se diplomassem na melhor Faculdade da época. Um obteve diploma em medicina e o outro em engenharia. Depois de formados, resolveram buscar novos e mais amplos horizontes fora do país. Há anos ele não os via. A princípio recebia notícias, mas com o passar dos meses esqueceram-no por completo, pois as cartas enviadas por eles sempre retornavam, por ter o destinatário mudado de endereço e não os avisado.
    O tempo foi passando, ele se envelhecendo até que ficou doente e começou a desfazer-se do pouco que possuía, a fim de se tratar e se manter, visto que muito gastou com a enfermidade da esposa. Já não possuía mais nada e, não podendo trabalhar, locomoveu-se para outra cidade, onde morava em um cubículo, de favor. Apenas um antigo fogão, uma cama humilde e uma rústica mesa, que ganhara, compunham o seu mobiliário. Não pôde evitar as lágrimas ao se lembrar da família reunida no Natal e no dia primeiro do ano, quando todos felizes, bebiam, comiam e se abraçavam, numa confraternização calorosa.
    Justamente, agora, na véspera do nascimento de Jesus, não tinha  ele conseguido donativos suficientes à compra sequer de alguns pãezinhos. Mesmo assim fez mentalmente uma prece: " Jesus... Amanhã é a data que marca a sua vinda à Terra. Obrigado por ter se sacrificado tanto por nós."
     Encontrou-o nesse estado depressivo um menino de aproximadamente dez anos, com a roupa também rota e suja que se sentou ao seu lado.
    ----O Vô está doente? – Perguntou a segurar-lhe a mão suavemente.
    ---- Sim, filho. Minhas pernas já não tem mais firmeza e a minha visão está fraca para atravessar a rua e chegar ao meu casebre.
    ----Vou levar o senhor até lá.
    ----Mas eu não tenho nada para comermos.
    ----Não tem importância. Vamos.
    Depois de lenta e cansativa caminhada chegaram.
        O velho exaurido estirou-se no surrado colchão e adormeceu profundamente.
         Acordou sem saber por quanto tempo ficou adormecido e o menino não estava mais ali. Sorriu e pensou alto: "Coitadinho! Não suportou ficar nessa pocilga".
          Levantou-se agora com as forças refeitas pelo sono e, sem compreender, estava mais animado e sentia-se mais forte. Quando se predispunha a sair para tentar conseguir algum alimento, viu na mesa um papel dobrado.
          Curioso abriu-o e leu.
          "Não se sinta triste e nem desanimado, meu irmão. Eu sofri mais do que você: nasci em uma Estrebaria pior que a sua casa, fui perseguido, injuriado, crucificado e sou alvo da ingratidão humana até hoje, pois na época de Natal colocam outro aniversariante em meu lugar, para venderem mais e obrigarem aos pais a comprarerem presentes para seus filhos que nunca ouviram falar de mim como verdadeiro símbolo dessa data. Usam o meu dia para se embebedarem e comerem desenfreadamente, esquecendo-se do verdadeiro alimento do espírito e poucos são os que me trazem à memória.  Os pequeninos que tanto amo, não são orientados a esse respeito. Mesmo assim, perdoo aos seus pais porque ainda não sabem o que faz”.
        Lendo e relendo o recado, pôs-se a meditar e a compreender que o Mestre esteve ao seu lado sem que ele soubesse. “Mas por que não me ajudou?” –Ouso pensar. De repente, alguém bateu-lhe à porta.
        Com espanto, pois ninguém o visitava, foi atender. Não conseguiu acreditar no que estava vendo. Seus filhos, suas noras e quatro netos, que ele ainda não conhecia, lá estavam lhe sorrindo.
        ----Meu Deus! - Exclamou - Como me encontraram se depois que perdi o contato com voces, saí da cidade em que morávamos e vim para cá envergonhado de lá permanecer?
        ----O senhor poderia ter nos escrito. Já havíamos perdido a esperança de que ainda estivesse vivo, pois nenhum dos nossos conhecidos souberam nos informar a seu respeito.
        --- Como passei a viver de migalhas e a vestir-me de andrajos, também não lhes escrevi para não lhes envergonhar.
        Depois de ser abraçado por todos, um dos filhos lhe falou:
        ---- Acabou seu sofrimento, pai. Estamos há pouco tempo nesta cidade  e, tendo conseguido bom capital, vamo-nos estabelecer aqui. Agora a pouco saímos  para comprar presentes e encontramos com um menino maltrapilho que, nos cercando, perguntou se ainda estávamos procurando por José Ferraz de Castro. Incrédulos lhe dissemos que sim e o inquirimos, com certo espanto, se ele conhecia o senhor e se sabia onde morava. Respondeu-nos com um gesto afirmativo de cabeça e deu-nos sinal para que o acompanhássemos. Mostrou-nos a sua casa e quando íamos lhe dar algum dinheiro, ele tinha desaparecido. Aí...
    ----Jesus não precisa de dinheiro, filho - Interrompeu-o.
    ----O que o senhor está dizendo pai? -     O velho apenas lhe sorriu, sentindo-se a criatura mais feliz e reconfortada do mundo.
    ----Vamos para casa, pai.- Disse-lhe o outro.- Lá o senhor tomará um banho, fará a barba e vestirá roupas limpas. Depois então, será somente festa, como antigamente.
    ----Não filho!- Foi peremptório.- Natal sem Jesus não existe. Ele não quer ver seu dia comemorado com bebidas e comidas excessivas, e sim com amor e compaixão aos nossos semelhantes. Depois que o Natal passar, aceitarei o seu convite. Aqui no meu casebre, Ele estará presente como já esteve. Vão com Deus e divirtam-se bastante. Um dia voces entenderão o que estou dizendo, porque somente o tempo lhes trará evolução mental e compreensão espiritual suficientes para aceitarem essa realidade.
Samuel Freitas de Oliveira
Avaré-SP-Brasil